Direito de protocolo garante previsibilidade no crescimento de projetos imobiliários
Em 27 de março, a Ação Direta de Constitucionalidade 2028122.62.2018.8.26.0000 foi julgada pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, com 17 votos favoráveis a 8 votos contrários à legislação impugnada (artigo 162 da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo – Lei Municipal 16.402/2016).
Em resumo, o Ministério Público pugnou pela inconstitucionalidade do direito de protocolo no âmbito da legislação paulistana. Porém, os fundamentos apresentados na ADI supramencionada, proposta pelo procurador-geral de Justiça, não subsistiram à luz dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança recíproca entre administração pública e administrado. Vejamos.
Em 1972, a primeira Lei de Uso e Ocupação do Solo do Município de São Paulo (Lei Municipal 7.805, de 1º de novembro de 1972) entrou em vigor trazendo o instituto “direito de protocolo” como solução jurídica para eventuais impasses relacionados a expedientes administrativos protocolados antes da publicação da lei em comento. Com ele, estatuiu-se a prerrogativa ao administrado de ter o seu projeto analisado com base na legislação anterior à Lei de Uso e Ocupação do Solo, desde que não houvesse despacho decisório. Trata-se de uma regra de direito intertemporal (ou de transição legislativa).
O intuito do direito de protocolo concedido ao administrado é estabelecer um critério temporal objetivo que irá definir qual será o conjunto de normas urbanísticas incidentes sobre o projeto imobiliário que se situa em meio a um período de mudança de leis urbanísticas, mais especificamente, leis que tratam de parcelamento, uso e ocupação do solo urbano.
O interesse do particular, ao submeter um projeto para análise da administração pública, consiste evidentemente na aprovação de seu empreendimento imobiliário. Com o fito de preservar as expectativas do administrado, conferindo uma maior segurança jurídica ao processo de aprovação no âmbito da prefeitura, logo após a previsão do direito de protocolo, a lei supracitada trouxe em seu bojo a delimitação de aludida prerrogativa. O artigo 31 da Lei Municipal 7.805/1972 delimita restrições ao novel instituto (à época):
“Art. 31 – Nos projetos de edificação com licenças expedidas anteriormente à data de publicação desta lei, bem como nos projetos de edificação enquadrados nas disposições contidas no artigo anterior, não será admitida qualquer alteração que implique em aumento de área construída, majoração do número de unidades habitacionais, mudança da destinação da edificação ou agravamento da desconformidade do projeto com relação ao estatuído na presente lei”.
A razoabilidade da disposição normativa é inequívoca, uma vez que não houve, sob uma perspectiva legal, a atribuição de um privilégio ou vantagem, qualquer que seja, ao administrado no ambiente imobiliário do município de São Paulo, sendo certo que o cumprimento das legislação urbanística continua se fazendo premente.
Trinta e dois anos depois, o direito de protocolo foi novamente engendrado (ipsis literis à disposição da primeira Lei de Uso e Ocupação do Solo na Lei Municipal 13.885, de 25 de agosto de 2004, que estabelece normas complementares ao Plano Diretor Estratégico, institui os Planos Regionais Estratégicos das Subprefeituras, dispõe sobre o parcelamento, disciplina e ordena o uso e ocupação do solo do município de São Paulo. Seguidamente, a boa prática legislativa se esmerou na realidade: (i) das tendências do setor imobiliário paulistano; (ii) dos trâmites processuais usualmente empregados na esfera administrativa da Prefeitura de São Paulo; (iii) e em precedente do Tribunal de Justiça de São Paulo[1], trazendo com isso maior sobriedade e objetividade na disciplina legal da matéria. Nesse sentido, a Lei Municipal 16.050 de 31 de julho de 2014, que estabelece o Plano Diretor Estratégico (PDE), previu o direito de protocolo em seu artigo 380.
Referido direito foi desenhado, com alterações e atualizações, desta vez de maneira a respeitar limites objetivos relativamente à modificação dos projetos submetidos à aprovação da prefeitura e que possuem por fundamento o direito de protocolo. O intuito, com base no conjunto de experiências acima mencionadas (i, ii e iii), era frear eventual utilização abusiva desta prerrogativa, a fim de robustecer o emprego do próprio direito de protocolo, viabilizando a sua aplicação por meio utilização de parâmetros objetivos pela administração pública.
Tomando por referência o Plano Diretor Estratégico[2], a Lei Municipal de São Paulo 16.402/2016 (Lei de Uso e Ocupação do Solo da Cidade de São Paulo) minudenciou categoricamente o instituto em comento, trazendo ainda mais clareza e objetividade para a sua aplicação[3].
Em 2014, o avanço da legislação urbanística evidencia um (novo) cenário que delineia com maior apreço as características atinentes ao direito de protocolo. Houve, insista-se, uma clara evolução da disciplina normativa acerca de referido direito, trazendo maior segurança e previsibilidade no que tange à aprovação dos projetos imobiliários em trâmite no município de São Paulo inseridos no lapso temporal consignado no caput do artigo 162 da Lei Municipal 16.402/2016 — requisito permissivo ao direito de protocolo — e nos termos alinhavados em seus parágrafos.
Conhecedor da complexidade inerente à aprovação de um projeto imobiliário no município de São Paulo, o legislador municipal houve por bem inserir novamente o direito de protocolo na Lei de Uso e Ocupação do Solo.
A alteração da legislação urbanística deve ser analisada como um fenômeno natural decorrente do desenvolvimento do ambiente urbano, a fim de apresentar novas e mais eficientes soluções acerca de inúmeros assuntos de interesse da urbe. É natural esperar que o legislador municipal atenda aos conclames da coletividade, sem, porém, sacrificar os direitos individuais garantidos constitucionalmente.
A legislação ora colacionada indica que o direito à propriedade do particular foi disciplinado com vistas ao interesse público, sem a ocorrência de prejuízos à coletividade, ou às custas de suas liberdades individuais, uma vez que houve a previsão do direito de protocolo.
Vale reiterar, como é possível observar pelos dispositivos legais que regulam a matéria, que os avanços legislativos são notórios quando se trata de direito de protocolo. Paulatinamente, no transcorrer de mais de 45 anos, isto é, desde a sua previsão inicial em 1972, o direito de protocolo nunca fora questionado enquanto prerrogativa ou direito subjetivo no âmbito do Direito Urbanístico. Agora, por ocasião do julgamento da ADI acima indicada, ele é reafirmado novamente, garantindo a previsibilidade à iniciativa privada que atua no setor e robustecendo a segurança jurídica no meio ambiente urbanístico paulistano.
[1] O precedente mencionado tinha por objeto um caso específico que consistiu no abuso do Direito de Protocolo (conforme voto do relator desembargador Coimbra Schmidt extraídos dos autos da Ação Civil Pública 0012087-14.2009.8.26.0053, j. 6/8/2012).
[2] Na mesma linha foi editada a Portaria Conjunta SMDU/SEL/SMSP 01/2014, que regulamentou detalhadamente o direito de protocolo.
[3] “Art. 162. Os processos de licenciamento de obras, edificações e atividades e os projetos de parcelamento do solo, protocolados até a data de publicação desta lei e sem despacho decisório serão apreciados integralmente de acordo com a legislação em vigor à época do protocolo, exceto nos casos de manifestação formal do interessado a qualquer tempo, optando pela análise integral de acordo com suas disposições.
§ 1º Os processos de licenciamento de obras e edificações referidos no “caput” serão indeferidos:
I – nos casos previstos no Código de Obras e Edificações (COE) e alterações posteriores;
II- se for requerida a modificação da versão do projeto constante do processo em análise na data de promulgação desta lei, nos seguintes termos:
a) alteração de uso, categoria de uso ou subcategoria de uso;
b) acréscimo superior a mais de 5% (cinco por cento) nas áreas computáveis ou não computáveis;
c) alteração em mais de 5% (cinco por cento) na taxa de ocupação.
§ 2º Serão apreciados nos termos do “caput” os projetos de parcelamento do solo cuja Certidão de Diretrizes já tiver sido emitida pelo órgão municipal competente.
§ 3º Os projetos de parcelamento do solo previstos no parágrafo anterior serão indeferidos quando for requerida alteração em mais de 5% (cinco por cento) do projeto após a vigência desta lei.
FONTE: Revista Consultor Jurídico, 22 de julho de 2019.. Por Marco Antônio Moreira da Costa, Rogério Agueda Russo e Victor Menon Nosé
Marco Antônio Moreira da Costa é sócio do Da Costa & Nosé Advogados, doutor em Direito pela PUC-SP.
Rogério Agueda Russo é sócio do Da Costa & Nosé Advogados, LL.M. pela University of Miami School of Law (EUA) e bacharel e mestrando em Direito pela PUC-SP.
Victor Menon Nosé é especialista em Direito Societário e Contratos pelo Instituto Internacional de Ciências Sociais e em Direito Civil pela Escola Paulista da Magistratura, mestrando em Direito Comercial e bacharel em Direito pela PUC-SP.