Juliana Pretto
13 Janeiro 2019
1. O Cadastro Ambiental Rural
Desde 2012, com a entrada em vigor do novo Código Florestal – Lei n.º 12.651/2012 -, assistimos a gradual inscrição dos imóveis rurais brasileiros no Cadastro Ambiental Rural (CAR), bem como as sucessivas prorrogações de prazo para que as propriedades efetivamente se cadastrassem. Esse período de maturação, no entanto, findou em 31 de dezembro de 2018, com o encerramento do prazo para inscrição no CAR, não tendo havido nova prorrogação, ao contrário do exposto em diversas notícias veiculadas. Como resultado, cerca de 5,5 milhões de imóveis rurais e 469,7 milhões de hectares foram cadastrados no Sistema do CAR, perfazendo mais de 100% das áreas estimadas como cadastráveis no território nacional, segundo os números indicados no portal oficial do CAR.
Portanto, desde 1.º de janeiro de 2019, passou a ser exigível dos proprietários e possuidores rurais o comprovante de inscrição do imóvel rural no CAR. Tal exigência pode ser feita para finalidades distintas e um exemplo é a concessão de crédito agrícola pelas instituições financeiras, pois o Código Florestal prevê que somente poderão haver financiamentos para proprietários de imóveis rurais que estejam inscritos no CAR. Na mesma linha é a Resolução n.º 4.663/2018 do Banco Central, que aponta a obrigatoriedade da apresentação do recibo de inscrição no CAR para a concessão de crédito rural para atividades agropecuárias, a partir de 1.º de janeiro de 2019.
A inscrição no CAR também é pré-requisito para a obtenção de diversos outros benefícios trazidos pelo Código Florestal, tais como: aderir ao Programa de Regularização Ambiental (cujo prazo foi prorrogado até 31 de dezembro de 2019, como se verá adiante); computar as Áreas de Preservação Permanente (APP) no cálculo do percentual da Reserva Legal do imóvel; requerer suspensão das penalidades impostas antes de julho de 2008 por supressão irregular em APP e Reserva Legal; e emitir Cotas de Reserva Ambiental para fins de compensação da Reserva Legal.
Ademais, a tendência é que o CAR passe a ser ainda mais exigido no âmbito dos licenciamentos ambientais, como já vem ocorrendo em alguns Estados, bem como nas relações negociais dos produtores rurais, considerando, por exemplo, as políticas de sustentabilidade e de rastreabilidade das grandes empresas consumidoras de produtos agropecuários quanto à regular origem dos produtos de seus fornecedores.
Destaca-se que o fim do prazo em 31 de dezembro de 2018 não impede a posterior inscrição daqueles imóveis não cadastrados, visto que o sistema seguirá disponível. Porém, os imóveis cadastrados após o encerramento do prazo legal estarão sujeitos à perda da oportunidade de se valer dos benefícios referidos.
Passada a fase de inscrição dos imóveis, ganha intensidade a fase de análise e validação dos dados do CAR pelos Estados. Nessa fase – que demandará grande esforço por parte do poder público -, serão avaliadas as informações declaradas para identificar, por exemplo: se há sobreposições entre imóveis rurais ou de imóveis rurais com unidades de conservação ou terras indígenas; se há sobreposição de áreas remanescentes de vegetação nativa com áreas de uso consolidado do imóvel rural; se a área de Reserva Legal declarada está em percentual equivalente, inferior ou excedente ao estabelecido pelo Código Florestal; se a localização da área proposta de Reserva Legal está compatível com os critérios da legislação, podendo ser aprovada; etc.
Durante o período de análise, o órgão competente poderá realizar vistorias nos imóveis rurais e solicitar a revisão das informações declaradas por parte do proprietário ou possuidor rural, mediante o envio de notificações.
Constatadas sobreposições ou outras informações passíveis de retificação na declaração do imóvel junto ao CAR, a respectiva inscrição do imóvel ficará com status de pendente, até que os responsáveis procedam à retificação, à complementação ou à comprovação das informações declaradas. Ademais, poderá haver o cancelamento do cadastro do imóvel no CAR quando, por exemplo, não forem cumpridos os prazos estabelecidos nas notificações ou quando for constatado que as informações declaradas são falsas, enganosas ou omissas, hipótese esta que também pode levar à imposição de sanções penais e administrativas ao declarante.
Destaca-se que os proprietários ou possuidores rurais podem efetuar retificações de forma espontânea nas declarações efetuadas enquanto o órgão competente não tiver iniciado a fase de análise dos dados. Assim, é recomendável que os declarantes revisem as informações e retifiquem eventuais equívocos de maneira célere. Da mesma forma, aqueles que adquirirem ou passarem a deter a posse de propriedades já inscritas no CAR devem obrigatoriamente atualizar os dados no CAR, em atendimento à legislação.
2. O Programa de Regularização Ambiental
Finda a fase de inscrição dos imóveis no CAR e paralelamente à análise dos dados pelo poder público, é o momento de os proprietários e possuidores rurais focarem na adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), sendo que terão prazo até 31 de dezembro de 2019 para fazê-lo, com a possibilidade de prorrogação por mais um ano, conforme a recém-publicada Medida Provisória n.º 867/2018, que alterou o prazo anteriormente disposto no Código Florestal. A fim de viabilizar a adesão ao PRA, entretanto, necessário se faz que o poder público avance na efetiva implementação do programa, ainda incipiente em muitos Estados, razão que deve ter motivado a prorrogação do prazo de adesão ao PRA pela Medida Provisória.
A adesão ao PRA objetiva adequar os imóveis rurais ao disposto no Código Florestal, sendo voltada àqueles que precisam regularizar o passivo ambiental das Áreas de Preservação Permanente e das áreas de Reserva Legal, além das áreas de uso restrito. Tal regularização poderá ser efetivada mediante recuperação, recomposição, regeneração ou compensação da área, a partir da apresentação de proposta pelo proprietário ou possuidor rural com as medidas a serem adotadas visando à regularização da área com passivo ambiental. A partir da proposta a ser analisada pelo órgão ambiental, haverá assinatura de termo de compromisso contendo as obrigações e os respectivos prazos, sendo que, em se tratando de Reserva Legal, o prazo de vigência dos compromissos assumidos poderá variar em até vinte anos.
Importa lembrar que, após a adesão ao PRA e enquanto estiver sendo cumprido o termo de compromisso, o proprietário ou possuidor não poderá ser autuado por infrações cometidas antes de 22 de julho de 2008, relativas à supressão irregular de vegetação em Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito.
Observe-se que um dos importantes instrumentos do PRA para fins de compensação de Reserva Legal, a Cota de Reserva Ambiental (CRA), teve recente regulamentação por meio do Decreto n.º 9.640, publicado em 27 de dezembro de 2018. A CRA pode ser emitida pelo proprietário de imóvel rural que tenha excedente de remanescente de vegetação nativa ou de área em processo de recuperação na sua área de Reserva Legal aprovada. A CRA pode ser comercializada ou transferida gratuitamente àqueles que precisam compensar déficit de Reserva Legal, sendo que a sua regulamentação era há muito esperada e acredita-se que contribuirá significativamente para alavancar o processo de regularização dos imóveis rurais, valorizando os imóveis com excedentes de vegetação.
Dito isso, conclui-se que o fim do prazo do CAR, o impulso que isso trará na implantação do PRA e a regulamentação da CRA trazem nova e mais otimista perspectiva sobre a efetiva implementação do Código Florestal, pois somente com a efetividade dos seus instrumentos é que serão atingidos os objetivos de preservação e recuperação do meio ambiente, bem como será conferida maior segurança jurídica ao desenvolvimento das atividades rurais.
Para seguir esse movimento, espera-se cooperação e esforço tanto dos proprietários e possuidores de imóveis rurais para que façam cumprir a legislação florestal e trabalhem na adoção das medidas necessárias à regularização dos seus passivos, quanto por parte do poder público, avançando no processo de análise e validação dos dados do CAR e na implementação do PRA.
O Código Florestal é uma valiosa ferramenta, cuja implantação visa a mitigar os passivos ambientais, regularizar a produção rural e fazer com que a legislação ambiental deixe de ser utilizada apenas como um instrumento de comando e controle, mas também possa viabilizar a rastreabilidade e a transparência a respeito da ocupação territorial, bem como trazer maior competitividade no âmbito do comércio internacional do país como um todo.
Fonte: Política Estadão