Por Lidiane GuioLidiane Guio
Publicado em 08/2018.
Os recursos minerais constituem propriedade distinta do solo (art. 176, caput, CF) e são considerados bens de domínio da União (art. 20, IX, CF). O direito à exploração econômica, ao seu turno, é transferido ao particular por meio de ato do Poder Público, que garante ao concessionário a propriedade do produto da lavra e, em contrapartida, exige, por expressa previsão legal, o recebimento de uma compensação financeira por essa exploração (art. 20, §1º, CF).
O procedimento para fins aquisição dos direitos de exploração obedece, em regra, ao princípio da prioridade (direito de prioridade), decorrente do princípio da anterioridade, e garante ao primeiro interessado que requerer os direitos minerários para determinada área a primazia em sua aquisição, desde que preenchidos os requisitos legais. Com efeito, não se garante a outorga do direito minerário em si, mas o direito de precedência na análise do requerimento, que não pode ser preterido em benefício de outro posterior.
Nesse sentido, Willian Freire[1]:
A lógica do sistema minerário preceitua que as áreas livres estão, em regra, à disposição de qualquer particular que vise a pesquisar determinado local, com fins a buscar a ocorrência de determinados recursos minerais. Assim, o princípio da prioridade preceitua que a outorga de direito de pesquisa, e posteriormente de lavra, deve respeitar a ordem de requisições feitas pelos particulares junto ao poder concedente. A proteção do respeito à ordem de requisições gera o direito de prioridade, direito que este particular passa a fazer jus no momento em que demonstra ser o primeiro a requerer a pesquisa em determinada área.
O direito de prioridade encontra previsão expressa nos artigos 11, alínea “a”, do Código de Mineração e no art. 7º do Novo Regulamento do Código de Mineração (Decreto nº 9.406/2018), in verbis:
Art. 7º. Ao interessado cujo requerimento de direito minerário tenha por objeto área considerada livre para a finalidade pretendida na data da protocolização do requerimento na ANM é assegurado o direito de prioridade para a obtenção do título minerário, atendidos os demais requisitos estabelecidos no Decreto-Lei nº 227, de 1967 – Código de Mineração, neste Decreto e na legislação correlata.
Considera-se área livre aquela definida no art. 18 do Código de Mineração e no art. 8º do Novo Regulamento do Código de Mineração, que, em síntese, referem-se aquelas que não estejam oneradas, ou seja, não vinculadas a algum outro direito minerário ou requerimento anteriormente formulado ou que estejam na iminência de serem declaradas disponíveis. Os artigos citados explicitam taxativamente quais as hipóteses em que a área não é considerada livre.
Impende salientar a alteração legislativa advinda com a publicação do Novo Regulamento do Código de Mineração no que tange à hipótese de não apresentação do Relatório Final de Pesquisa no prazo de vigência do Alvará de Pesquisa, obrigação expressamente prevista no art. 22, V, do Código de Mineração.
O Regulamento anterior, Decreto 62.934/1968, determinava que nesses casos o DNPM daria baixa na transcrição do alvará e a área seria considerada livre (art. 25, § único, inc. I), o que possibilitava a apresentação de requerimento por qualquer interessado, respeitando-se a regra da prioridade.
Com o advento do Decreto 9.406/2018, a ausência de apresentação do relatório circunstanciado dos trabalhos de pesquisa passa a ensejar a declaração de disponibilidade da área, que será oferecida aos interessados por meio de oferta pública em procedimento a ser definido pela ANM – Agência Nacional de Mineração, agência reguladora criada em substituição ao extinto DNPM.
No entanto, em caso de inexistência de interessados na área disponibilizada para a pesquisa por meio de oferta pública, a área será considerada livre e, novamente, sujeita ao direito de prioridade.
Houve, assim, significativa mudança no sistema adotado no caso de descumprimento da obrigação de apresentação do Relatório, visto que o Decreto 9.406/2018 optou por empregar o procedimento da disponibilidade em detrimento da regra da prioridade.
Preenchidos os requisitos previstos no art. 16 do Código de Mineração, e desde que não haja interferência com área onerada, a ANM outorgará o Alvará de Pesquisa, título autorizativo para a realização dos trabalhos de pesquisa mineral, com prazo de 01 (um) a 03 (três) anos, e que será objeto de transcrição em registro e publicação no Diário Oficial da União.
Ou, ainda, poderá formular exigências complementares para a melhor instrução do processo, concedendo o prazo de 60 (sessenta) dias para cumprimento, que, depois de satisfeitas, culminarão na outorga do título.
Nota-se, assim, que “o reconhecimento formal do direito de prioridade geralmente se concretiza com a outorga do título de direitos minerários (…). Entretanto, surgirá também com a formulação de exigências visando complementar a instrução do requerimento do título. O direito de prioridade, que daí emerge reconhecido, apenas é resolúvel caso essas exigências não (…) [sejam] cumpridas satisfatoriamente (…).”[2].
Pelo exposto, infere-se que direito de prioridade é regra no ordenamento jurídico e democratiza o acesso ao direito de exploração dos recursos minerais do País, contudo, apenas tem aplicabilidade no caso de área considerada livre: seja por não ter sido objeto de oneração anterior, seja por ter sido preterida em procedimento de disponibilidade. Para as áreas desoneradas ou extintas, aplica-se a regra da disponibilidade prevista no art. 26 do Código de Mineração e nos arts. 45 e 46 do Novo Regulamento do Código de Mineração, que determina a oferta aos interessados por meio de critérios objetivos de seleção de propostas a serem definidos pela ANM.
NOTAS
[1] FREIRE, Willian. Código de Mineração Anotado. 5ª edição. Belo Horizonte: Mandamentos, 2010, p. 80.
[2] Ribeiro. Carlos Luiz. Direito Minerário escrito e aplicado. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 323.
FONTE: JusBrasil