No Direito brasileiro, conforme tem sido analisado pela doutrina especializada, a responsabilidade civil ambiental está sujeita a um regime jurídico próprio e específico, fundado nas normas do artigo 225, parágrafo 3º, da Constituição Federal e do artigo 14, parágrafo 1º, da Lei 6.938/1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente), diverso, em muitos pontos, do regime comum do Direito Civil e do Direito Administrativo, o que deu à responsabilidade civil por danos ambientais entre nós uma grande amplitude[1].
Entre outros aspectos, esse regime especial de responsabilidade civil está baseado a) na admissão da reparabilidade do dano causado à qualidade ambiental em si mesma considerada, reconhecida como bem jurídico protegido, e do dano moral ambiental[2]; b) na consagração da responsabilidade objetiva do degradador do meio ambiente, ou seja, responsabilidade decorrente do simples risco ou do simples fato da atividade degradadora, independentemente da culpa do agente, adotada a teoria do risco integral[3]; c) na amplitude com que a legislação brasileira trata os sujeitos responsáveis, por meio da noção de poluidor adotada pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, considerado poluidor a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, direta ou indiretamente responsável pela degradação ambiental (artigo 3º, IV); e d) na ampliação dos efeitos da responsabilidade civil, que abrange não apenas a reparação propriamente dita do dano ao meio ambiente, como também a supressão do fato danoso à qualidade ambiental, por meio do que se obtém a cessação definitiva da atividade causadora de degradação do meio ambiente.
Dentro desse contexto, em que se verificam a amplitude e a força da responsabilidade civil pelo dano ambiental, impõe-se indagar se tem lugar, também, a aplicação do princípio da reparação integral do dano ambiental.
A noção de reparação aplicável ao dano ambiental traz consigo sempre a ideia de compensação. Isso no sentido de que a degradação do meio ambiente e dos bens ambientais não permite jamais, a rigor, o retorno da qualidade ambiental ao estado anterior ao dano, restando sempre alguma sequela do dano que não pode ser totalmente eliminada. Há, na realidade, sempre algo de irreversível no dano ambiental, o que não significa irreparabilidade sob o ponto de vista jurídico.
Nesse contexto, a reparação do dano ambiental deve invariavelmente conduzir o meio ambiente a uma situação equivalente — na medida do que for praticamente possível — àquela de que seria beneficiário se o dano não tivesse sido causado, compensando-se, ainda, as degradações ambientais que se mostrarem irreversíveis. Daí a incidência do princípio da reparação integral do dano[4].
A reparação integral do dano ao meio ambiente abrange não apenas o dano causado ao bem ou recurso ambiental imediatamente atingido, como também toda a extensão dos danos produzidos em consequência do fato danoso à qualidade ambiental[5], incluindo: a) os efeitos ecológicos e ambientais da agressão inicial a um determinado bem ambiental que estiverem no mesmo encadeamento causal (como, por exemplo, a destruição de espécimes, habitats e ecossistemas inter-relacionados com o meio imediatamente afetado; a contribuição da degradação causada ao aquecimento global); b) as perdas de qualidade ambiental havidas no interregno entre a ocorrência do dano e a efetiva recomposição do meio degradado; c) os danos ambientais futuros que se apresentarem como certos; d) os danos irreversíveis causados à qualidade ambiental, que de alguma forma devem ser compensados; e) os danos morais coletivos resultantes da agressão a determinado bem ambiental[6].
Essa, inclusive, é a orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, em expressivo julgado da lavra do ministro Herman Benjamin, que, inclusive, foi ainda mais longe, ao decidir que a reparação integral do dano ambiental compreende, igualmente, a restituição ao patrimônio público do proveito econômico do agente com a atividade ou empreendimento degradador, a mais-valia ecológica que o empreendedor indevidamente auferiu com o exercício da atividade degradadora (como, por exemplo, a madeira ou o minério retirados ao arrepio da lei do imóvel degradado ou, ainda, o benefício com o uso ilícito da área para fim agrossilvopastoril, turístico ou comercial)[7].
Questão importante na matéria diz respeito à incidência ou não de alguma exceção ao princípio da reparação integral do dano ambiental, por vezes aceita na teoria da responsabilidade civil, para o fim de limitar a amplitude da reparação pretendida, com base, em especial, no exercício de um certo poder moderador dos juízes, movidos por razões de equidade, em disposições legais especiais ou na convenção entre as partes interessadas[8].
Essa indagação é particularmente importante se se considerar o disposto no artigo 944 do Código Civil brasileiro, que depois de firmar a regra da reparação integral do dano, no caput, abriu, no parágrafo único, a possibilidade de o juiz reduzir equitativamente a indenização, se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa do agente e o dano efetivamente causado. A referida norma do Código Civil, como norma geral em tema de responsabilidade civil, teria incidência no âmbito da responsabilidade civil ambiental?
Segundo se tem afirmado, essa exceção ao princípio da reparação integral do dano não tem aplicação à reparação do dano ambiental.
Por um lado, é importante insistir no fato de que a responsabilidade civil ambiental resulta de um sistema próprio e autônomo no contexto da responsabilidade civil, com regras especiais que se aplicam à matéria, em detrimento das normas gerais do Código Civil que com elas não sejam compatíveis. Nesse sentido, a responsabilidade civil por danos ambientais está sujeita a um regime jurídico específico, instituído a partir da Constituição Federal e da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, que não inclui qualquer norma mitigadora da reparação integral do dano, sendo derrogatório, portanto, em tal aspecto, do regime geral do Código Civil.
Por outro lado, nunca é demais lembrar que a responsabilidade civil ambiental tem como fundamento o risco criado pelas atividades degradadoras e não a culpa do degradador, de maneira que configuraria verdadeiro contrassenso se se passasse a levar em conta exatamente a culpa para a delimitação da extensão da reparação pretendida.
Na realidade, limitar a reparação dos danos ambientais em virtude da menor culpa ou da ausência de culpa do degradador significaria, no final das contas, reinserir na responsabilidade objetiva a discussão da culpa do agente, agora não mais para a determinação da responsabilidade civil em si mesma, mas para a definição do montante reparatório, o que o regime instituído a partir da Constituição de 1988 e da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente pretendeu precisamente afastar.
No tocante à intervenção do legislador para o estabelecimento de limites legais à reparação do dano, em especial para favorecer o desempenho de determinadas atividades consideradas de particular relevância para o desenvolvimento do país, é importante observar que no Direito brasileiro tal expediente não foi adotado em relação à reparação de danos ambientais e nem seria a rigor admissível, tendo em vista a indisponibilidade do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como direito humano fundamental, e do meio ambiente, como bem de uso comum do povo (artigo 225, caput, da CF).
Finalmente, no que se refere à limitação à reparação de danos decorrente da convenção entre os interessados, importa considerar aqui, de maneira especial, a transação.
No âmbito da reparação de danos ambientais, devido ao já referido caráter indisponível do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como direito humano fundamental, e do meio ambiente, como bem de uso comum do povo (artigo 225, caput, da CF), não se pode a rigor ter como válida a transação, que, inclusive, nos termos da própria lei civil, está restrita a direitos patrimoniais de natureza privada.
Não se ignora aqui a existência de corrente doutrinária que se manifesta já há algum tempo no sentido de admitir a transação nessa matéria, com base, sobretudo, na Lei 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública), que autoriza a tomada pelos entes públicos legitimados à ação civil pública do denominado “compromisso de ajustamento de conduta às exigências legais” (artigo 5º, parágrafo 6º), que muitos veem como a consagração definitiva no Direito Positivo brasileiro da admissibilidade de transações em tema de direitos e interesses difusos[9].
No entanto, parece que, nessa matéria, têm razão aqueles autores que entendem que o conteúdo possível do denominado compromisso de ajustamento de conduta nada tem a ver com o de uma verdadeira transação, por meio da qual se permitiriam concessões mútuas entre as partes[10].
É interessante observar a respeito que, nos exatos termos da lei, por intermédio do compromisso em questão os degradadores se comprometem a ajustar as suas condutas às exigências legais, não fazendo o legislador referência, em momento algum, à possibilidade de se realizarem transações em relação aos direitos protegidos, por meio de concessões favoráveis aos interesses dos causadores de degradações ambientais. Assim, inclusive, já se pronunciou o Tribunal de Justiça de São Paulo[11].
Nesse passo, porém, vale uma ressalva. É a de que o Superior Tribunal de Justiça, embora como regra não admita a transação em tema de reparação do dano ambiental, já entendeu, em caráter excepcional, como válido, acordo celebrado nos autos de ação civil pública, em que houve reparação não integral do dano, por considerar, naquela hipótese específica, diante das circunstâncias da espécie, como a melhor forma de composição da lesão causada[12].
Em suma, como se procurou demonstrar, a reparação do dano ambiental deve sempre conduzir o meio ambiente a uma situação na medida do possível equivalente àquela de que seria beneficiário se o dano não tivesse sido causado. E, nessa matéria, o princípio da reparação integral do dano tem inteira aplicação, devendo-se levar em consideração não só o dano causado imediatamente ao bem ou recurso ambiental atingido como também toda a extensão dos danos produzidos em consequência do fato danoso à qualidade ambiental, incluindo o dano moral ambiental verificado.
Além disso, é importante ter sempre claro que no atual estágio do Direito Ambiental brasileiro não se admite qualquer limitação à plena reparabilidade do dano ao meio ambiente. Tendo em vista a indisponibilidade do direito protegido, nenhuma disposição legislativa, nenhum acordo entre os litigantes e nenhuma decisão judicial que tenham como finalidade ou efeito o de limitar a extensão da reparação do dano ambiental podem ser considerados legítimos.
[1] BENJAMIN, Antônio Herman V. Responsabilidade civil pelo dano ambiental. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, n. 9, p. 5-52; MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Participação, processo civil e defesa do meio ambiente. São Paulo: Letras Jurídicas, 2011, p. 441, nota 1199.
[2] STJ – 2ª T. – REsp 1.367.923/RJ – j. 27/8/2013 – rel. min. Humberto Martins; STJ – 2ª T. – REsp 1.198.727/MG – j. 14/8/2012 – rel. min. Herman Benjamin.
[3] STJ – 2ª Seção REsp 1.374.284/MG – j. 27/8.2014 – rel. min. Luís Felipe Salomão – sob o regime do artigo 543-C do CPC/1973; STJ – 4ª T. – AgRg no AgRg no AREsp 153.797/SP – j. 5/6/2014 – rel. min. Marco Buzzi; STJ – 2ª Seção – REsp 1.114.398/PR – j. 8/2/2012 – rel. min. Sidnei Beneti – sob o regime do artigo 543-C do CPC/1973.
[4] MIRRA, Álvaro Luiz Valery Mirra. Ação civil pública e a reparação do dano ao meio ambiente. 2ª ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 314-324; BENJAMIN, Antônio Herman V., op. cit., p. 19; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 421-424; MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 427-428; LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 229-230; STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 211; LEMOS, Patrícia Faga Iglesias. Direito ambiental: responsabilidade civil e proteção do meio ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 186; PINHO, Hortênsia Gomes. Prevenção e reparação de danos ambientais: as medidas de reposição natural, compensatória e preventivas e a indenização pecuniária. Rio de Janeiro: GZ, 2010, p. 327-330.
[5] CUSTÓDIO, Helita Barreira. Avaliação de custos ambientais em ações judiciais de lesão ao meio ambiente. Revista dos Tribunais, v. 652, p. 26.
[6] MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública e a reparação do dano ao meio ambiente, cit., p. 315.
[7] STJ – 2ª T. – REsp 1.145.083/MG – j. 27/9/2011 – rel. min. Herman Benjamin.
[8] Sobre todos esses aspectos, ver MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública e a reparação do dano ao meio ambiente, cit., p. 317 e ss.
[9] MILARÉ, Édis. Direito do ambiente, cit., p. 1465 e ss; MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 316-329; NERY, Ana Luiza de Andrade. Compromisso de ajustamento de conduta: teoria e análise de casos práticos. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 130-164.
[10] RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 141-159; AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal. Compromisso de ajustamento de conduta ambiental. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 77-81; ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 147-150.
[11] TJ-SP – 9ª Câmara de Direito Público – Ap. Cív. 259.003-5/0-00 – j. 19/2/2003 – rel. des. Ricardo Lewandowski.
[12] STJ – 2ª T. – REsp 299.400/RJ – j. 1º/6/2006 – rel. p/ acórdão min. Eliana Calmon.
Fonte: Conjur
Álvaro Luiz Valery Mirra é juiz de Direito em São Paulo, doutor em Direito Processual pela USP, especialista em Direito Ambiental pela Faculdade de Direito da Universidade de Estrasburgo (França), coordenador adjunto da área de Direito Urbanístico e Ambiental da Escola Paulista da Magistratura e membro do instituto O Direito Por Um Planeta Verde e da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil.