8 de março de 2019
Por Carlos de Azevedo Senna e Thiago Crepaldi
Usineiros do interior do estado de São Paulo têm conseguido se livrar no Tribunal de Justiça de São Paulo de multas decorrentes de incêndios em seus canaviais. Eles têm sido beneficiados pela adoção do entendimento de que a responsabilidade dos produtores é subjetiva, ou seja, só se caracteriza se comprovado o dolo ou culpa no evento.
Recentemente, a 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente decidiu, por maioria de votos, atender a recurso de uma usina de cana de açúcar para afastar execução fiscal de uma multa por queima da palha da cana sem autorização.
O entendimento que prevaleceu é de que o incêndio teria sido obra de terceiros e que a usina seria a vítima de ato criminoso, tendo como única opção após o fato cortar a cana queimada e “dar-lhe destinação útil”, levando a colheita para processamento, descaracterizando um possível benefício à empresa.
No entanto, em voto divergente, o desembargador Paulo Alcides Amaral Salles afirmou que o argumento da defesa, acatado pela câmara, é repetidamente utilizado pelas empresas produtoras de álcool e “absolutamente desprovido de plausibilidade”.
Alcides afirma que a prática, que facilita o corte e aumenta o teor de sacarose da matéria prima da produção de álcool, é prática comum e indiscriminada das usinas no estado de São Paulo.
Alcides se opõe a esse entendimento, dizendo que “a adoção de tal tese representa a impunidade das usinas que notoriamente praticam a queima irregular”.
“Primeiro, porque dificilmente se comprovará quem iniciou o fogo (para tanto, basta uma faísca); segundo, porque as câmaras reservadas ao meio ambiente pacificaram o entendimento no sentido de que a indenização civil em matéria ambiental só é cabível em situações de irreparabilidade do dano, o que normalmente não ocorre nas áreas em que se promovem as queimadas”.
Vantagem em ser vítima
Para reforçar esse argumento, o desembargador cita outros 12 casos semelhantes envolvendo a mesma usina e o mesmo tipo de ocorrência e diz ter encontrado ainda mais. “Isso nos permite concluir que ou a recorrente é vítima de absurda falta de sorte (porque suas propriedades são sempre atingidas por incêndios de autoria desconhecida) ou ela pretende iludir o Poder Judiciário”, afirma.
Um levantamento da jurisprudência do TJ-SP apresenta que, apenas no último ano, foram levados 114 casos com mesma matéria às câmaras de meio ambiente e 39 apenas à 2ª Câmara.
Em 27 destes 39 casos a multa ambiental foi afastada, seguindo o raciocínio de que a autoria é desconhecida, afastando a responsabilidade subjetiva, e que o benefício às indústrias não é claro, negando também a responsabilidade objetiva.
A tese que prevaleceu foi a do relator do caso, desembargador Paulo Ayrosa. Ao afastar a multa, Ayrosa cita a Constituição para apontar que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. Mas pondera que “conquanto seja objetiva a responsabilidade ambiental, esta não deve ser ampliada de maneira a imputar à vítima a obrigação de recomposição ambiental se o dano foi provocado por terceiros, criminosos ou não, na propriedade”.
FONTE: CONJUR
Carlos de Azevedo Senna é repórter da revista Consultor Jurídico.
Thiago Crepaldi é repórter da revista Consultor Jurídico.