Competição

O bom e o mau na competição entre os profissionais do Direito

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O bom e o mau na competição entre os profissionais do Direito

14 de abril de 2019
Por Vladimir Passos de Freitas

Vladimir Passos Freitas
Vladimir Passos de Freitas

A disputa, a luta, a competição são inerentes ao ser humano. Querer ser o primeiro, o melhor, faz parte de nossas vidas e não é novidade alguma. A Olimpíada é um bom exemplo disso. Com foco nas práticas esportivas, teve início na Grécia pelo menos oito século antes de Cristo, na cidade de Olímpia. Foi se desenvolvendo ao longo dos séculos e tornou-se um símbolo da união dos povos.

Se a competição faz parte da condição humana, no universo jurídico não poderia ser diferente. Ainda que de forma tênue ou disfarçada, a competição começa no curso de Direito, onde, muitas vezes, ela se exterioriza na premiação dos melhores alunos, na condição de orador da turma ou na eleição para o diretório acadêmico.

A partir daí a competição nos acompanha por toda a vida, muito embora decrescendo na terceira fase de nossa existência. Mas será a competição um mal, algo nocivo que nos desperta maus sentimentos? Ou será algo positivo que nos impulsiona a dar de nós o máximo e a fazer o melhor.

Não é simples a resposta, mas, como sempre e em tudo, como diziam os romanos, “in medio stat virtus”, ou seja, a virtude está no meio.

A ausência total do desejo de disputar nem sempre é explícita. Uns, de temperamento mais agressivo, competem com a força e as armas de que dispõem. Por exemplo, um jovem advogado procurando ser um líder dentro de seu órgão corporativo. Outros podem estar a competir, sem sequer dar-se conta, de forma discreta e silenciosa. Por exemplo, dedicando-se integralmente aos estudos, ingressando, logo após a formatura, em um curso de mestrado. Essa via pode não ser direcionada diretamente contra um colega, mas, sim, uma demonstração de inteligência diante da turma.

A total ausência de competição, por comodismo, falta de energia ou mesmo pela reprovação de tal tipo de conduta, pode levar a uma letargia que impede o avanço de boas propostas e ações.

Um colega de turma da graduação tinha um potencial incrível, predicados raros como inteligência, disciplina e saúde mental. Tão logo formado, conseguiu uma posição de trabalho cômoda. Sem maiores ambições e de espírito não competitivo, ali ficou. Perdeu a oportunidade de crescimento cultural, social e econômico, prejudicando a si próprio e ao seu país, ao qual sonegou, involuntariamente, claro, suas virtudes.

A ausência de apetite para concorrer faz com que muitos desistam com facilidade da luta. Assim, entre muitos casos, vi um desembargador desistir de disputar vaga no STJ para não entrar em uma disputa com vários colegas. Um líder no Ministério Público abrir mão da Procuradoria-Geral da Justiça porque teria que se submeter a uma eleição feita por toda a classe.

Os que evitam o embate prejudicam a si próprios, mas também a sociedade. Evidentemente, sem esse propósito e, na maioria das vezes, sem mesmo perceber. O problema é que, quando se omitem, dão espaço a terceiros, nem sempre bem-intencionados, para ocupar posições importantes.

A competição, em si mesma, é salutar. Impulsiona-nos para que sejamos melhores profissionais e, consequentemente, pessoas mais úteis e realizadas. Portanto, o duelo de inteligências no tribunal do júri ou, em causa de grande valor econômico, diante de um tribunal arbitral, nada de mau traz consigo.

Foi movido por uma competição saudável que propiciei bons momentos a 30 magistrados federais. Foi em 1997, início das investidas de participação de cursos no exterior. Recebi um comunicado de que o então promotor do Meio Ambiente em São Paulo, Herman Benjamin, iria promover um seminário de estudos em um país asiático. Mais do que tudo por uma brincadeira, disse: então vou fazer um mais longe. Apanhei uma revista de universidades, vi os dados de uma em Auckland, Nova Zelândia, e, sem hesitar, mandei um fax para o diretor David Grinlinton. Ele adotou a ideia e um ano depois desembarcávamos naquele distante país para um dos mais interessantes cursos de que pude participar.

Às vezes a competição não é com pessoas físicas, mas, sim, com entes abstratos. Lembro-me de um juiz que, na direção do foro, estimulava as varas a competir em qualidade. O resultado era positivo, pois todas buscavam dar o melhor de si, tornou o fluxo dos processos mais rápido e efetivo. Nesse sentido, o Prêmio Innovare, que reconhece as boas práticas na área jurídica, é uma excelente forma de competição.

Mas há o outro lado da moeda, o dos excessos. Há os que competem em tudo, com todos, o tempo todo. Precisam provar a si mesmos e aos outros que são os melhores e, para tanto, não medem esforços e atitudes, ainda que se vejam obrigados a sacrificar a ética. Não nos poupam de suas narrativas de espertezas e vitórias nem mesmo no aeroporto, na fila para entrar no avião. Óbvio que aí há algo errado.

Para repelir tal tipo de pessoa, sem criar um atrito desnecessário, uma boa política é afirmar exatamente o oposto. Imagine-se que sua área de Direito é a ambiental e a pessoa narre bem alto, para que terceiros ouçam, que está avançando em estudos com um professor alemão da Universidade de Heidelberg. Responda que jamais conseguiria isso, pois não consegue dizer muito obrigado na língua de Goethe. Depois de três investidas com respostas semelhantes, o competidor entenderá.

Competir criando intrigas contra terceiros é abominável. Não raramente, pessoas que disputam cargos importantes levantam dossiês contra os concorrentes, às vezes, inclusive, falsos. Os que têm poder de decisão, ao deparar-se com tal situação, só têm um caminho a seguir: rejeitar este mau competidor. Isso porque, mesmo que tenha sete livros publicados, fale cinco idiomas e tenha três doutorados, falta a essa pessoa um requisito básico: caráter.

Em suma, a competição, por si só, é positiva, leva as pessoas a saírem da zona de conforto, a avançarem nas suas atividades profissionais e a se tornarem pessoas mais realizadas. Contudo, há que se estar em permanente vigilância para que essa disputa não se torne um fim em si mesmo, levando a resultados opostos.

FONTE: Revista Consultor Jurídico – CONJUR

Vladimir Passos de Freitas é chefe da Assessoria Especial de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública, professor de Direito Ambiental e de Políticas Públicas e Direito Constitucional à Segurança Pública na PUCPR e desembargador federal aposentado do TRF-4, onde foi corregedor e presidente. Pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibraju).

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